quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Galvão e seus 40 anos de televisão: 'Precisa ser apaixonado por esporte'



O É Gol!!! sabe que o mundo do futebol não seria o mesmo sem a figura marcante do narrador esportivo. Por isso, escolheu ninguém menos que Galvão Bueno para uma entrevista especial de fim de ano. Considerado por muitos o maior locutor da televisão brasileira, Galvão abriu sua cabine de transmissão para a equipe do programa, falou sobre os momentos marcantes da carreira, sua relação com o carinho do público e o significado da Copa do Mundo de 2014, no Brasil, quando estará presente pela décima vez em uma edição do Mundial.
 

Confira a entrevista abaixo com Galvão Bueno:


É GOL!!!: O que significa ser narrador de televisão?
Galvão Bueno: Eu sempre disse que é ser um vendedor de emoções. Foi uma coisa que eu meio que me auto intitulei. Outro dia vi o Bob Faria falando algo muito interessante. Ele disse que o narrador é o "cantor da banda", mas ele também é um jornalista, pois ele tem que vender emoção, fazer o show, tem que ser fiel àquilo que está acontecendo. O narrador talvez seja o malabarista porque é muito difícil você andar no fio da navalha, tendo de um lado a emoção a ser vendida e do outro a realidade dos fatos.
 
Como foi o começo na profissão?
Eu comecei como comentarista de rádio e nunca imaginei que poderia gritar um gol na vida. O primeiro que gritei achei ridículo e muitos acham ridículo até hoje. Nada mais ridículo do que aquele "É tetra, é tetra" desafinado, com o Pelé e o Arnaldo puxando de um lado. Mas ali era na emoção, porque se você vê agora é uma coisa terrível.
 
Como fica a relação "Narrador x Comentarista"?
O acaso quis que eu me tornasse narrador. Eu estava sendo contratado pela Bandeirantes de São Paulo para ser comentarista. Houve uma mudança, surgiu uma chance no Rio. Perguntaram se eu queria voltar para o Rio para uma vaga de narrador. Eu topei tentar e estou tentando até hoje. Isso só o tempo que ensina. Eu era comentarista, então eu gosto de dar os meus pitacos nas narrações. Você poder sair de um momento grande, de um grito, de quase um gol, para emendar em uma conversa com o comentarista. Nada é mais difícil do que trabalhar com televisão, o veículo é cruel e o profissional não pode se achar mais importante que a imagem, se não ele cai no ridículo, mas ele também não se pode minimizar ao ponto de ser dispensável. Tem que achar o meio-termo, passar a emoção, a conversa, tem que sentir. Às vezes a gente erra o tom. Em tudo você aprende alguma coisa. Você aprende a reconhecer os erros. Teve um jogo no Recife que eu fiz uma lambança e tentei justificar. Mestre Armando Nogueira disse que eu havia perdido uma grande chance de dizer aos telespectadores "Desculpa, errei".
 
Qual o segredo da narração esportiva?
O centro de tudo é a emoção. Você precisa ser apaixonado pelo esporte. Não é só futebol, eu sou um narrador esportivo. É a emoção que traz um belíssimo gol, uma grande jogada, um saque como o de Giovanni, uma ultrapassagem de Senna. Mas nada é igual a uma Copa do Mundo. Nada. É tudo, a abertura de uma Copa, a final de uma Copa. Imagina o Ronaldo colocando uma bola para dentro e conquistando uma Copa. Nada é igual.
 
Como surgiu o bordão "Bem, amigos"?
O "Bem, amigos" vem de uma dúvida minha. A grande parte das minhas transmissões é fora do Brasil. O jogo às vezes é às oito e meia da noite na Europa e às três da tarde no Brasil. No Japão então nem se fala. Então eu me enrolava, falava "bom dia" no lugar de "boa tarde". Um dia deu uma travada e eu resolvi começar a transmissão com o "Bem, amigos da Rede Globo", que acabou virando uma marca, nome de programa. Mas na hora mesmo foi uma muleta, não tinha intenção nenhuma.
 
O que dizer de Taffarel?
O Taffarel, com respeito a todos os goleiros históricos do Brasil, é o goleiro que teve a maior performance na Seleção Brasileira. Taffarel é Taffarel. Disputou três Copas do Mundo, pegou pênalti em semifinal olímpica, em semifinal de Copa do Mundo. Mas me dava um nervoso o fato de ele não sair do gol. A bola passava e ele olhava. Um dia, no desespero, a bola veio e ele não saiu e eu disse "Vai que é tua Taffarel", como quem diz "Vai na bola infeliz". Ele sabe disso, morre de rir. O grande momento foi quando ele foi contratado pelo Atlético-MG, e o pessoal gritava "Sai que é tua Taffarel" em sua chegada. Não era para ser bordão, era desespero de torcedor.
 
Como fica o lado do torcedor em você?
Eu sempre fui muito criticado por torcer muito pelo Brasil, mas torço mesmo, na medida em que não destoe os fatos. Sou fiel àquilo que acontece. Agora, Seleção Brasileira em Copa do Mundo são 20 e tantos anos que só eu faço na Globo. Há uma identificação muito grande. Eu me empolgo mesmo, vou junto do Brasil. Mas na medida em que o time não vai, você se irrita. Eu sou autêntico. É meu produto maior, e é a grande paixão do brasileiro.
 
Como foi narrar o tetracampeonato do Brasil em 1994?
Foram dias espetaculares, e uma história fantástica para se contar. Foi uma epopeia o tetra de 1994. Costumo dizer que comecei na TV em 74. Foi a primeira Copa que o Brasil perdeu depois de 70 e eu me senti culpado ao lado do Luciano do Vale. Aí veio aquele drama, aquela trajetória, com o gol do Bebeto. Vimos o drama do jogo contra os holandeses, que estava na cara que eles iam virar o jogo. Aí surge Branco, genial, que cava a falta e marca um golaço. A final é aquela coisa, um calor insuportável. Hoje se transmite em um "glass studio". Lá era debaixo do sol. O gol não saía. Pensava que esse filme eu já tinha visto. Vem prorrogação, Mazinho e Romário perdem chances. Nos pênaltis, o primeiro italiano perde. O primeiro do Brasil também perde. Ali foi um choque emocional, comecei a ficar zonzo, pensei que fosse desmaiar. Pensei comigo mesmo "Trabalhei a vida inteira para estar aqui hoje". Quase apaguei, mas aí vem a sequência de gols. O maior grito de gol que dei foi um chute para fora. Foi um grito de gol sem gol. Não há o que se dizer da Copa de 94, foi muito maior que o penta em 2002.
 
Como foi narrar o drama de 1998 contra a França?
Vou confessar pela primeira vez que eu já achava que o clima na chegada ao estádio não era bom. Em Pasadena, quatro anos antes, era aquela euforia, eu sentia que ia narrar aquele título. Em 2002, no Japão, eu tinha certeza absoluta de que o Brasil seria penta. Alemanha era um velho freguês, era barbada, e foi. Agora, na França, a imprensa toda não viu a saída do Ronaldo da concentração, e depois veio aquela escalação, com Edmundo titular. Eu tinha entrevistado o Ronaldo no dia anterior, ele disse que ia arrebentar. Eram os parceiros do mundo inteiro, era o último campeonato que se transmita assim. Quando eu vejo, estavam todos olhando para nós, mas ninguém sabia o que tinha acontecido. Depois o Ronaldo aparece no jogo. Vi que estava tudo maluco. O time todo se preocupava com o Ronaldo. Só que a França jogou muito mais que o Brasil. O técnico francês prendeu o time brasileiro. Foi um jogo atípico e a França jogou mais. Ponto.
 
Qual seria a sua narração mais marcante?
Um gol muito bacana que eu acho foi o primeiro gol do Ronaldinho Gaúcho na Seleção. A história do "Olha o que ele fez'. O gol do Romário contra a Suécia em 94 também, por ser atípico, ele baixinho, cabeceando. Acho que para ficar como um gol pelo que ele representa eu fico com o do Ronaldo na final de 2002. Foi uma história bem contada e ele merecia aquilo. Tem uma história de superação, de volta por cima.
 
E a relação com a torcida?
Uma das coisas bacanas é quando você tem o carinho da torcida. Às vezes é complicado sair do aeroporto. Me preocupo com o empurra-empurra, com as criancinhas que as mães e pais levam. Mas você chegar em um estádio e as pessoas se manifestarem de forma carinhosa é espetacular. A preparação do trabalho é estar com os amigos e não frustrar o carinho das pessoas para quem você trabalha. É obrigação tentar ir lá, dar autógrafo. No fundo a gente vive pelo carinho de quem nos assiste.
 
O que significará a Copa do Mundo de 2014, no Brasil?
Nunca poderia imaginar que um dia eu teria 30 anos de Globo, 30 anos e tanto de Fórmula 1, de Seleção. Não imaginava poder ter chegado onde cheguei. Foi um pouco de talento, de sorte e muita transpiração. Mas eu poderia jamais, lá atrás, imaginar que uma Copa no Brasil marcaria a minha décima Copa do Mundo no estádio. É um número redondo e será provavelmente a minha última como narrador. Vou me despedir, a voz pode não sair, vou me emocionar, mas não estou me aposentando não, tem Olimpíadas logo mais para a frente. Mas fecha um ciclo. Quarenta anos de televisão, dez Copas do Mundo, no Brasil? Vamos ver.

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